Ana Clara Watanabe e a paixão pelo criar

6 de jun. de 2024

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Com uma herança nipônica, Ana cultiva sua paixão pelo criar desenvolvendo projetos variados, que transita entre as diferentes áreas de design - seja design de moda, mobiliário ou gráfico.

Conversamos com ela sobre seu processo criativo, suas inspirações e planos futuros. Confira abaixo:


DESIGN DE MOBILIÁRIO

O que a inspirou transitar para o design de mobiliário?
  • O mobiliário sempre foi muito presente na minha história. Quando meu ditchan veio para o Brasil, o primeiro comércio da minha família foi voltado para o mobiliário popular, onde meu pai continua tocando a loja Casa Oriental, que já tem mais de 60 anos de história.
    Conforme fui entendendo minha paixão por criar, entendi que podia estender o meu processo criativo para além da roupa. Pensava em roupa já imaginando ela em um espaço composto por outros produtos. Parede, objetos de cena. Tudo o que irá compor aquela roupa vem à minha mente quando estou desenvolvendo alguma peça-vestível.
    Dessa forma, conforme fui me aproximando dos processos de upcycling e entendendo as possibilidades de criação com materiais reciclados, encontrei o projeto Precious Plastic de reciclagem de plástico, e me encantei com o material extremamente resistente e com aparência parecida com mármore que o plástico reciclado chegava. Assim, decidi tirar os mobiliários do imaginário e torná-los físicos, lançando meu primeiro móvel no ano passado, a ZAISU 01, uma cadeira baixa para meditação inspirada no modelo japonês ZAISU (座椅 子), não tendo pernas, apenas o encosto para as costas. Montada com placas de plástico 100% reciclado. O modelo foi desenvolvido para ser encaixado sem uso de parafusos, tendo como referência as dobraduras de um origami.

Quais são os principais desafios que você encontrou ao entrar no mercado de design de mobiliário?
  • Acredito que o fato de não ter um histórico de trabalho em áreas como arquitetura e até mesmo em design de interiores dificulta um pouco o processo no sentido comercial. Ainda há um distanciamento grande entre moda e outras áreas, e ter uma formação em moda e ser conhecida pelo meu trabalho na área tornou o processo de entrar em certos ambientes de decoração mais lentos, mas aos poucos estamos conquistando nosso espaço.
    Principalmente quando falamos de design sustentável, enxergo que ainda há muito receio do consumidor em investir em um produto que foi reciclado. Na moda ainda temos essa barreira também, muito se consome do universo e conceito por trás das marcas que tem a sustentabilidade como core principal, mas poucas são as que realmente conseguem sobreviver. Trabalhar de forma sustentável vai além da matéria-prima, além da sustentabilidade ambiental. Para que um produto seja de fato sustentável, toda a cadeira por trás precisa se sustentar também, o fornecedor precisa ser pago de forma correta, os descartes precisam ser feitos corretamente, e tudo isso acaba encarecendo o produto.
    Assim, além dessa dificuldade de entrar no mercado em si, enxergo que a questão do valor de um produto sustentável x consumidor final ainda é um barreira a ser quebrada.

Como você descreveria seu estilo pessoal no design de mobiliário?
  • Tenho resgatado cada vez mais minhas origens nipônicas em meus projetos. Me inspiro muito nos origamis na hora de criar qualquer coisa, seja ela roupa-acessório-móvel. Pensar em como algo pode se desdobrar e virar um outro produto é algo muito presente nos produtos da WTNB, nossas peças sempre permitem desmontagens e remontagens para que o consumidor possa brincar com o design e fazer diferentes leituras da peça. No mobiliário não é diferente, nossa ZAISU é composta por 4 placas que se encaixam, mas que podem ser remontadas e adaptadas para novos tipos de design.


PROCESSOS DE CRIAÇÃO COM UPCYCLING

Como você começou a incorporar o upcycling em seus processos criativos?
  • Comecei o processo de upcycling em Londres. Estava estudando na UAL na época e queria muito aproveitar a estrutura da faculdade para poder criar, mas os tecidos lá eram muito caros. Comecei garimpando algumas peças em brechós, descosturando e construindo novos tecidos, montando patchworks.
    Fui vendendo algumas peças que montei a partir de outras, e entendi que aquilo poderia se tornar algo escalável e rentável. Quando voltei pro Brasil, em Fevereiro do ano passado, mapeei pontos de descarte de peças pilotos de alfaiataria e fomos desmanchando e construindo novas peças de alfaiataria com esses tecidos. Tecido de alfaiataria foi feito para durar, e não aproveitar disso seria uma pena.
    Expandimos nos últimos drop para customização dessas peças garimpadas, silkando e pintando elas manualmente.
    Depois, em Novembro do ano passado, comecei uma parceria com a Innovativ Têxtil, uma tecelagem do interior de São Paulo, que nos abriu o depósito de tecidos da linha de homewear que estavam parados há anos e seriam descartados, e trouxemos esses materiais rígidos que seriam para sofá e papel de parede, para nossas roupas.

Quais materiais você prefere usar em seus projetos de upcycling e por quê?
  • Blazers. Os melhores tecidos e materiais que conseguimos reaproveitar normalmente são os dos blazers que conseguimos garimpando ou de doação de ateliês que nos fornecem pilotos antigas. O blazer tem inúmeras camadas e um bom produto, feito à mão, tem os pespontos manuais ali bonitinhos, alinhavados, então não danificamos o produto na hora de desmanchar e conseguimos usar o tecido do forro e do tecido.

Quais são os benefícios e desafios do upcycling em comparação com o uso de materiais novos?
  • O desafio maior hoje é a reprodução dessas peças. Felizmente temos uma demanda grande de projetos sob medida e os produtos acabam sendo exclusivos, mas trabalhar com materiais garimpados ou tecidos que já saíram de linha há muitos anos tem essa desvantagem da reprodução.


A EMPRESA WTNB

Qual foi a visão original por trás da criação da Wtnb?
  • A ideia era criar uma marca bem definida conceitualmente e que nos permitisse explorar diferentes áreas de design, seja design de moda, mobiliário ou gráfico. A sustentabilidade veio de encontro nessa estruturação de marca, entendemos que podíamos abraçar a causa e expandir o conceito para além do ambiental, e abraçar o lado social, divulgando a potência criativa da mão de obra do interior de São Paulo, mais especificamente na minha cidade natal, Pindamonhangaba, onde temos feito um trabalho incrível de confecção das peças com costureiras locais.

Pode compartilhar algum projeto recente da Wtnb que reflita a filosofia da empresa?
  • Acredito que TARSILA AMARELA, que será desfilada no próximo dia 28 de Maio, reflita bem a filosofia da empresa. Me inspirei em obras centenárias de uma artista mulher, brasileira, que foi extremamente importante para a história da arte brasileira, abrindo portas para outras mulheres artistas. Mergulhar nas obras centenárias de Tarsila do Amaral para o desenvolvimento da minha nova coleção me fez enxergar novas possibilidades de criar, unindo minha história à dela.
    Fechamos uma parceria incrível com o Senac de Pindamonhangaba, onde montamos uma turma com mulheres de diferentes faixas etárias para a confecção de parte dos looks; usamos apenas materiais sustentáveis, reaproveitados; usamos a borra do café da cápsula da Nespresso para o desenvolvimento dos botões da coleção; usamos o vidro da Heineken para confecção dos acessórios... tudo isso sendo apresentado em um desfile performático que retoma a moda nesse lugar lúdico-mágico que eu enxergo que ela pertence.

Quais são os planos futuros para a Wtnb em termos de crescimento e inovação?
  • Vamos abrir ainda esse ano um espaço físico para receber os nossos clientes e expor as peças que criamos. Temos expandido cada vez mais pro segmento de Wearable Art, e ter uma loja-galeria nos permite expor tudo aquilo que criamos e acreditamos ser arte. Temos o projeto também de criação de um ateliê-confecção próprio da marca com essa mão de obra tão especial do interior.