Como um filme de 1973 inspirou a turnê Yeezus de Kanye West

27 de jul. de 2023

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Além da montanha de sua tour Yeezus de 2013 e 2014, há mais uma montanha imponente por trás: “A Montanha Sagrada”. O filme do diretor chileno Alejandro Jodorowsky de 1973, é um filme surrealista e simbólico, que envolve uma série de jornadas espirituais e herméticas. A história segue um ladrão que se torna um messias, encontrando diversos personagens excêntricos e vivenciando situações enigmáticas enquanto busca a imortalidade na Montanha Sagrada.

Kanye West e o Cristianismo

A dança religiosa de Kanye é constante, juntamente com sua busca ao poder. O que o faz uma figura apelativa é, no seu âmbito de figura pública, transparente e também hostil às normas dominantes - especialmente se isso envolve religião e espiritualidade. Ele representa a experiência humana e é contraditório, orgulhoso, hipercrítico e arrogante - características muitas vezes inerentes à pastores, rabinos, padres e líderes religiosos. De certa forma, ninguém consegue ter um “passe” e tudo bem.

Em seu álbum Yeezus, Kanye passa o tempo todo pedindo à sua audiência para ser convencida de que, mesmo não sendo levado sério pelos códigos claros e autoritários da sociedade, ele tem o poder. Afinal, você acumula poder ao retirá-lo de outra pessoa.

Caramba, Kanye é o Pac desta geração. Ele está fazendo conexões com a religião e Jesus. Ele está tentando tornar o Céu acessível… me entende? Claro, ele é arrogante. Mas, caramba, Jesus também era! [risos] Ele não era o cara que sempre falava mal das autoridades religiosas e dizia que era Deus? [Sorrisos] Caramba, Jesus era um cara controverso.
Karl, um entrevistador

Quanto a isso, a intenção de Kanye encontra uma 'relação' real com Jesus, como os cristãos evangélicos insistiriam que é essencial? Isso não se sabe, nem se conhece o motivo do propósito de Kanye aqui; isso é muito diferente de alguém como DMX, Tupac ou até mesmo Lecrae, que têm conexões implícitas com Jesus.

Yeezus e as referências de A Montanha Sagrada

Logo nos primeiros 30 minutos de “A Montanha Sagrada” é possível encontrar imagens mais do que suficientes para referenciar a turnê Yeezus: o rosto de um ladrão coberto por moscas negras brilhantes como uma máscara ornamentada por Maison Martin Margiela. O mesmo ladrão, levantado por um bando de meninos marrons nus, pintados de verde, torna-se o corpo de West elevado por um grupo de dançarinas mascaradas em maiôs nus. Uma pirâmide azteca sangra sangue como um vulcão em erupção, similarmente ao que domina o palco durante "Blood on the Leaves".

Alejandro Jodorowsky nasceu entre os anos 1920 e 1930, na costa norte do Chile. A raiva fomentada durante sua infância, o qual não podia frequentar lugares específicos porque eram proibidas aos chilenos, é manifestada em "A Montanha Sagrada" e encontra um eco em “New Slaves” e em seus primeiros versos: "Minha mãe foi criada na época em que/A água limpa só era servida para peles mais claras."

Indo mais afundo e aumentando as semelhanças, Jodorowsky fala em uma entrevista:

“Talvez eu seja um profeta. Realmente espero que um dia venham Confúcio, Maomé, Buda e Cristo me ver. E nos sentaremos à mesa, tomando chá e comendo alguns brownies. Produtos assados, divindades. Todos os meus melhores amigos são deuses."
Alejandro Jodorowsky

A autoafirmação de Kanye e Alejandro

No filme, o ladrão, acaba encontrando um guia espiritual, interpretado pelo próprio Alejandro, que promete levá-lo pelo caminho da imortalidade, que leva a uma montanha sagrada. Eventualmente, ele não alcança o topo e é encorajado pelo seu guia a partir com a mulher que vem os seguindo. Eles acabam se casando e descem a montanha com o amigo chimpanzé. Ao final do filme, o ladrão explica que “atingimos a realidade” e a câmera se afasta, finalmente revelando a equipe de filmagem gravando a cena.

Portanto, "A Montanha Sagrada" é uma espécie de manual para a auto-realização, alimentado por blasfêmia, Freud, surrealismo, política, drogas da contracultura, budismo e outras coisas mais. Mas, uma cena no início é mais esclarecedora sobre a essência da turnê: depois de descer da cruz em que foi colocado, o grupo de meninos carrega o ladrão até um quarto cheio de moldes de gesso de si mesmo. Ele fica bravo ao ver todas essas cópias. As cópias são blasfémias - até mesmo dos cordeiros crucificados - imagens esculpidas do verdadeiro deus. Então, para se afirmar, esse deus grita mais alto que todos os outros. Para se afirmar, Kanye West faz exibições. Ele faz o que ninguém mais pode fazer e faz em grande estilo. Você não pode acreditar no que está vendo (e ouvindo), que alguém se esforçou para fazer isso acontecer, envolvendo outras pessoas em uma aventura pessoal e misteriosa.

Onde Kanye West encontrou alguém disposto a se vestir como Jesus branco? Onde Jodorowsky encontrou o homem de um olho só disposto a beijar a mão da menina depois de arrancar o olho na frente da câmera, revelando o vermelho secreto dentro de seu corpo para o espectador?

As referências

A imagética das montanhas está presente desde o início nos dois âmbitos: no filme e na turnê. Em Yeezus, a montanha está presente antes mesmo de Kanye subir ao palco. Seu lugar de apresentação, com mulheres nuas e encapuzadas sobem e descem. Certas vezes, explosões e projeções acontecem antes que a montanha se abra. É o centro do palco para a jornada de autoconhecimento de Kanye e consequentemente, seu caminho para a realidade, assim como a narrativa de Alejandro.

O grupo de mulheres presente na apresentação de Kanye é sua comitiva e contraponto. Seus movimentos são misteriosos, assim como os movimentos dos vários grupos de mulheres no filme. Durante várias vezes, elas coreografam em um círculo ao redor de Kanye, se assemelhando às mulheres do filme.

A Montanha Sagrada e Yeezus

Em "A Montanha Sagrada", rostos são descobertos, cobertos, devorados, tomados por insetos, cobertos de sangue, etc. As máscaras de Margiela de Kanye referenciam as formas de cobrir o rosto de Jodorowksy, assim como as máscaras transparentes de suas dançarinas.

Muitas cenas em "A Montanha Sagrada" contêm o gesto de várias pessoas carregando alguém, geralmente o ladrão. O mesmo acontece durante a turnê Yeezus, exceto que Kanye é carregado após "I Am a God" por sua equipe de mulheres seminuas.

O primeiro show da turnê Yeezus em Seattle incluiu um ator interpretando Jesus durante "Jesus Walks". O ladrão em "A Montanha Sagrada" se assemelha à Jesus e aparece em uma cruz no início do filme, que brinca com imagens cristãs e torna o sagrado, profano.

A imagética cristã continua durante "Lost in the World" com uma espécie de procissão em uma igreja alta. No início do filme, uma procissão igualmente bizarra aparece na rua, com cordeiros crucificados.

Durante "All of the Lights" e "Blood on the Leaves", a montanha pega fogo, goteja lava e é iluminada com uma fantástica variedade de cores que contrasta com a escuridão anterior e os tons azuis. Em alguns momentos, ela explode, semelhante à cena em "A Montanha Sagrada" em que o templo asteca modelo explode durante uma reencenação da invasão espanhola do México.

As máscaras

Para sua turnê Yeezus, o rapper não apenas usou Margielas em seus pés com o figurino combinando, mas também uma máscara completa de Margiela. De acordo com seus monólogos durante a turnê, ‘Ye não quer ser visto como um homem negro ou uma celebridade’. Ele queria que suas ideias falassem por si mesmas, daí esconder o rosto. Por fim, ele justifica a máscara totalmente ornamentada:

"...Então, hoje à noite, se apenas uma vez, eu explicarei. Porque, caso contrário, eu me sentiria tão cansado e exausto, e eu sei que vocês não sentem minha dor. Ou não se importam com minha dor. E eu percebo, percebo, percebo isso, eu percebo isso..."

Posteriormente, ele acrescenta...

"Sim, é uma vez na minha vida, em que posso ser apenas eu esta noite... Se vocês perguntarem por que eu coloco essa máscara, é porque, quando não a tenho, tenho que me preocupar se meu rosto está na posição certa para a câmera, porque não quero que eles peguem a imagem errada de alguém que quer me atingir... Então, se eu quiser ser menos agressivo e totalmente expressivo e passar a mensagem para vocês, sugiro que me deixem usar a máscara."

Jodorowsky e seu encontro com Kanye West

Ainda em 2014, Jodorowsky deu uma entrevista para A Biblioteca Britânica e falou sobre seu primeiro encontro com Kanye West:

“Eu não conhecia ele, não sabia nada sobre, só sabia que ele era um rapper. Que ele dizia que eu era um gênio e que inspirei ele a fazer a tour Yeezus e que ele foi inspirado por “A Montanha Sagrada”. Ele se declarou para mim.”

Eles se encontraram em Nice, na França. Conforme dito, Kanye West foi ao encontro do diretor com mais 4 pessoas:

“Minha secretária disse que o Sr. West queria me ver. Perguntei ao meu amigo quem era Kanye West e ele me disse que era um artista muito famoso. (…) Cheguei no quarto de hotel e ele já estava lá, com mais 4 caras, um deles sendo o diretor Spike Jonze.”

Alejandro, sem conhecer o rapper, ficou intrigado com seu interesse nele:

“Perguntei pra ele o que ele queria, ele disse que queria fazer um show e queria me conhecer. Era muito simpático, como uma criança que queria me conhecer. Eu gostei dele, eu podia sentir a comunicação. Perguntei se ele iria fazer um show e ele confirmou. Então eu disse que, como amigo, eu poderia dar ideias para ele. Ele gostou, conversamos, tiramos uma foto e ele foi embora.”

Quando Jodorowsky parou de dirigir filmes por um tempo nos anos 80, ele desenvolveu uma forma de terapia pessoal, chamada 'psicomagia', que combinava psicologia Junguiana e tarot. Ocasionalmente, em seu encontro com Kanye, Alejandro fez uma leitura para ele:

“Eu não tinha muito mais o que falar com ele, estava nervoso, então perguntei se podia fazer uma leitura de tarô para ele e ele respondeu animado que sim. Então li o tarô para ele e foi fantástico. Porque evidentemente ele é um homem de grandes ambições, ele realmente queria achar algo para os jovens, como se fosse procurar um propósito.”