Os irmãos Castiglioni e a transformação do design moderno
A história dos irmãos Castiglioni não começa com luminárias icônicas ou objetos celebrados em museus. Começa dentro de um país tentando se reconstruir após duas guerras, onde a improvisação não era um exercício de criatividade e sim uma necessidade material. A Itália dos anos 40 vivia a escassez, o racionamento e os estúdios de arquitetura que emergiram dessa fase entendiam que projetar qualquer objeto deveria compor o que o território oferecia.

Milão se tornava o centro industrial dessa reestruturação e foi dentro desse contexto que Livio, Pier Giacomo e Achille aprenderam a pensar em como desenvolver seus projetos. Eles estudaram no Politécnico de Milão e começaram juntos, cercados por fábricas que haviam sido parcialmente destruídas e que precisavam reinventar seus processos produtivos. A cultura industrial italiana, naquele momento, misturava restos da guerra, metalurgia pesada, experimentos com novos materiais e um país tentando compreender como transformar escassez em linguagem.
Os primeiros trabalhos dos irmãos ainda nos anos 40 revelam isso com clareza, como uma extensão da arquitetura e da engenharia estudada em seu estúdio. Pode ser chamado de laboratório, muitas vezes literal, no sentido de que desmontavam objetos comprados em mercados de peças, analisavam componentes industriais, refaziam circuitos, testavam rolamentos, cabos, chapas metálicas, tudo para entender o que a indústria italiana podia oferecer. O método partia de testes e provas que retiravam processos e correções do empírico, assim como um laboratório de ciências.

A parceria inicial com Livio se desfaz porque ele se inclina para uma visão mais próxima das artes visuais e da experimentação estética, enquanto Achille e Pier Giacomo seguem por um caminho que se fixa no estudo da função e da observação cotidiana como matéria-prima do projeto.
A década de 50 abre um novo cenário. A Itália experimenta o chamado milagre econômico, um crescimento acelerado da produção industrial, o surgimento de novas empresas e a ampliação de uma classe média urbana que começa a consumir objetos domésticos em escala. É nesse período que a Olivetti redefine o design empresarial no país, que as fábricas buscam processos mais precisos e que o design italiano se desprende da herança artesanal sem abandonar completamente a manualidade. Os Castiglioni estão no centro desse movimento e entendem que o design não é sobre criar formas inéditas, mas sobre traduzir comportamentos humanos para soluções técnicas eficientes. Recusam qualquer ideia de estilo, porque acreditam que estilo fixa uma linguagem que deveria ser viva.
É dessa fase que nascem obras que se tornaram marcadores do design moderno. A Arco, que aparenta ser uma luminária monumental, de formato exótico para a época, é na verdade uma solução técnica para um problema cotidiano. Como iluminar uma mesa sem perfurar o teto? Ainda há também uma lógica do contrapeso, utilizar mármore porque oferece estabilidade e permite que um braço metálico se projete para o espaço sem deslocar a base. Esse é o tipo de objeto desenvolvido e pensado pelos irmãos para facilitar e ampliar os horizontes do design.

A Toio nasce da mesma relação direta com a matéria. Um farol de carro, cabos e um tripé metálico que se transformam em luminária, demonstrando como objetos são sistemas e que qualquer sistema pode ser reconfigurado.

A Taccia, uma das invenções mais famosas, chega como uma investigação sobre reflexão da luz, o formato invertido, com uma luminária em formato de lâmpada, fornece uma luz indireta e refletida, a ideia central era criar a ilusão de uma "luminária de teto de cabeça para baixo".

E Parentesi, já nos anos 70, surge como síntese dessa lógica de engenharia aplicada ao cotidiano, onde cabos tensionados, fixações simples ao chão e o ajuste manual transformam a luz em um instrumento móvel e primordialmente mutável.
O que torna o trabalho deles singular não é o resultado final, mas o processo que dá origem a esses objetos. A criação das obras passavam por observar como as pessoas improvisavam gambiarras para segurar cabos, como prendiam lâmpadas provisórias no teto durante reformas, como ajustavam a altura de luminárias amarrando fios. Essas soluções improvisadas, vistas nas ruas e nos interiores domésticos, eram estudadas como dados.
O período pós-guerra também cria uma relação importante entre design e política. A Itália tentava se afirmar internacionalmente em diversas áreas e via no design uma forma de projetar sua modernidade. A presença de empresas como Flos, Zanotta e Brionvega impulsionou designers a desenvolver objetos que dialogassem com novos processos industriais, e os Castiglioni se tornaram parte desse ecossistema. Eles atuam dentro das fábricas, testam materiais em máquinas, conversam com técnicos, revisam mecanismos de produção. Esse trânsito entre estúdio e chão de fábrica cria a linguagem pela qual são reconhecidos. Não tratam seus objetos como artefatos artísticos e sim como sínteses rigorosas entre técnica, observação e contexto social.
A colaboração entre Achille e Pier Giacomo atravessa décadas e é interrompida de forma abrupta em 1968 com a morte de Pier Giacomo. Achille continuou sozinho, ampliando o método que haviam desenvolvido juntos. Seus trabalhos posteriores se tornam mais experimentais no campo técnico, explorando novos materiais, plásticos moldados, estruturas flexíveis e formas derivadas de estudos de comportamento humano dentro do espaço. Mesmo assim, mantém a mesma lógica investigativa que guiou o estúdio desde os anos 40. A ideia de economizar gestos, reduzir formas, eliminar excessos e transformar necessidades cotidianas em estruturas funcionais continua presente.

Eles estruturaram um modelo de pesquisa que não depende de teoria abstrata e sim de olhar atento, desmontagem, prototipagem contínua e diálogo com processos industriais reais. Essa forma de projetar desloca o design do campo decorativo para o campo técnico, onde cada decisão responde a um problema específico, cada material cumpre função clara e cada objeto é construído como consequência direta da vida que pretende acompanhar.
A coerência do trabalho está na capacidade de transformar as demandas sociais, os limites materiais e os comportamentos cotidianos em soluções que se tornaram referência não por serem monumentais, mas por serem precisas. É nesse rigor observacional que o estúdio dos Castiglioni encontra sua originalidade. Não há mistério ou aura, apenas método. E nesse método, a modernidade italiana encontra uma de suas expressões mais completas.
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